Cordel - A chegada de lampião no inferno



Um cabra de lampião
por nome pilão deitado
que morreu numa trincheira
um certo tempo passado
agora pelo dertão
anda correndo visão
fazendo malassombrado

E foi quem trouxe a notícia
que viu lampião chegar
o inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena até contar

Morreu a mãe canguinha
o pai de forrobodó
cem netos de parafuso
um cão chamado cotó
escapuliu boca ensoça
e uma moleca moça
que quase queima o totó

Morreu cem negros velhos
que não trabalhavam mais
um cão chamado Traz Cá
Vira-volta e Capataz
Tromba suja e Bigodeira
Um cão chamado goteira
cunhado de satanás

Vamos tratar na chegada
quando lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu
- Quem é você cavalheiro?
- Moleque, eu sou cangaceiro:
Lampião lhe respondeu

- Moleque, não; sou vigia
e não sou seu parceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro
- Moleque, abra o portão
saiba que sou Lampião
assombro do mundo inteiro

Então esse tal vigia
que trabalha no portão
dá pisa que voa cinza
não procura destinção
o negro, escreveu não leu
a macaiba comeu
ali não se usa perdão

O vigia disse assim:
fique fora e eu entro
vou conversar com o chefe
no gabinete do centro
por certo ele não lhe quer
mas conforme o que disser
eu levo o senhor pra dentro

Lampião disse: vá logo
que conversa perde hora
vá depressa e volte já
eu quero pouca demora
se não me derem o engresso
eu viro tudo asavesso
toco fogo e vou embora

O vigia foi e disse
a satanás no salão
saiba vossa senhoria
que aí chegou Lampião
dizendo que quer entrar
e eu vim lhe perguntar
se dou o engresso ou não

- Não senhor, satanás disse
vá dizer que vá embora
só me chega gente ruim
e eu ando muito caipora
eu ja estou com vontade
de botar mais da metade
dos que tem aqui pra fora

- Lampião é um bandido
ladrão da honestidade
só vem desmoralizar
a nossa propriedade
e eu não vou procurar
sarna para me coçar
sem haver necessidade

Disse o vigia: patrão
a coisa vai arruinar
eu sei que ele se dana
quando não puder entrar
satanás disse: isso é nada
convide aí a negrada
e leve os que precisar

- leve cem duzias de negros
entre homem e mulher
vá na loja de ferragem
tire as armas que quizer
é bom avisar também
pra vir os negros que tem
mais compadre Lucifer

E reuniu-se a negrada
primeiro chegou fuchico
com um bacamarte velho
gritando por Cão de bico
que trouxesse o pau de prensa
e fosse chamar Tangença
em casa de Maçarico

E depois chegou Cambota
endereitando o boné
Formigueiro e Trupe-Zupe
e o criolo quelé
chegou caé e pacáia
Rabisca e Cordão de Saia
e foram chamar bazé


Veio uma diaba moça
com uma calçola de meia
puxou a vara da cerca
dizendo: a coisa está feia
hoje o negócio se dana
e gritou: êta baiana
agora a ripa vadeia

e saiu a tropa armada
em direção do terreiro
com faca, pistola e facão
cravinote e granadeiro
uma negra também vinha
com a trempe da cozinha
e o pau de bater tempero

quando Lampião deu fé
da tropa negra encostada
disse: só na abissínia
oh! tropa preta danada!
o chefe do batalhão
gritou de arma na mão
- Toca lhe fogo, negrada!

Nessa voz ouvi-se tiros
que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
que parecia macaco
tinha um nego neste meio
que durante o tiroteio
brigou tomando tabaco

Acabou-se o tiroteio
por falta de munição
mas o cacête batia
negro rolava no chão
pau e pedra que achavam
era o que as mãos pegavam
sacudiam em Lampião

- Chega traz um armamento!
(assim gritava o vigia)
traz a pá de mexer doce
lasca os ganchos de caria
traz um bilro de Macau
corre vai buscar um pau
na cerca da padaria

Lucifer mais satanás
vieram olhar do terraço
todos contra Lampião
de cacête, faca e braço
o comandante no grito
Dizia: briga bonito
negrada, chega-lhe o braço!

Lampião pode apanhar
uma caveira de boi
sacudiu na testa dum
ele só fez dizer: oi!..
ainda correu dez braças
e caiu enchendo as calças
mas eu não sei do que foi

Estava travada a luta
mais duma hora fazia
a poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porem Lampião ferido
ainda não tinha sido
devido a grande energia

Lampião pegou um seixo
e rebolou-o num cão
mas o que: arrebentou
a vidraça do oitão
saiu um fogo azulado
incendiou o mercado
e o armazem de algodão

Satanás com esse incêndio
tocou no búzio chamando
correntam todos os negros
que se achavam brigando
Lampião pegou a olhar
não vendo com quem brigar
também foi se retirando

Houve grande prejuízo
no inferno nesse dia
queimou-se todo dinheiro
que satanás possuia
queimou-se o livro de pontos
perdeu-se vin mil contos
somente em mercadoria

Reclamava Lucifer:
horro maior não precisa
os anos ruins de safra
agora mais essa pisa
se não houver bom inverno
tão cedo aqui no inferno
ninguém compra uma camisa

Leitores vou terminar
tratando de Lampião
muito embora que não possa
vou dar a explicação
no inferno não ficou
no céu também não entrou
por certo está no sertão

Quem duvida dessa história
pensa que não foi assim
querer zombar do meu sério
não acreditando em mim
vá comprar papel moderno
escreva para ao inferno
mande saber de Caim.

Autor: José Pacheco.